Acta
A acta da sessão extraordinária de 6 de Abril de 1887, da Junta de freguesia de S. João do Monte, esclarece contemporâneos e vindouros, nomeadamente os participantes do programa Ciência Viva, na inesquecível jornada de 30 de Julho de 2011, com todo o respeito pelos normativos legais, que no “ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e sete, aos seis dias do mês de Abril, a junta de Paróquia de S. João do Monte concelho de Tondella se reuniu em sessão extraordinária (para o que tinha sido previamente convocada) sob a presidência de Jacinto Henriques Soares, que estava presente, com os vogais António Martins de Almeida, António Fernandes Pereira, Salvador Henriques Monteiro de Carvalho e Manuel Antunes Pereira”. Depois de “aberta a sessão e lida e aprovada a acta antecedente”, ficou a Junta a saber “que a Ex.ma Câmara de Tondella resolvera vender a antiga casa da cadeia, de que nos servíamos para a escolla do sexo masculino e como nesta freguesia não havia casa para outra escola o Presidente e Vice-Presidente da Junta” decidiram solenemente perfilhá-la com esta educativa finalidade.
Pois bem, foi neste precioso santuário de redenção terrena e de amor às primeiras letras, agora sede cultural, bem perto do Paraíso (praia fluvial) que, aí pelas nove manhã, algumas dezenas de caminheiros, muitos de bem perto, outros de bem longe, se conheceram e deram a conhecer, antes de provarem as mimosas oferendas doces e matinais da ACDR de S. João do Monte, sábia e docemente conduzida pelo Sr. Mário. Não fosse irreverência e registar-se-ia aqui, neste improvisado quadro de honra, a memória daquele bolo, bem negro e bem húmido, de açúcares equilibrados, exuberante de frescura, com inesquecível final de boca, boas notas aromáticas a cereja preta e frutos silvestres, assistido de vinho doce…
Enxergou-se bem, in loco, como este incansável dinamizador da cultura local e denodado ex-combatente das matas de Angola, o sr. Mário, que acompanhou minuciosamente todos os passos da jornada, com insuperável maestria.
Organização
Os objectivos e locais visitados, nesta iniciativa do programa Ciência Viva, no Verão 2011, organizado pela Quercus – Núcleo Regional de Vila Real e Viseu, foram seleccionados de acordo e com os apoios da Junta de Freguesia e da Associação Desportiva Cultural e Recreativa (ADCR) de S. João do Monte. É de inteira justiça salientar o apoio da D. Odete, briosa ex-moradora da aldeia de Vale de Lobo que, no frondoso bosque e Parque de Merendas da freguesia, consegue sempre cozinhar a melhor feijoada.
Há que salientar, com inteira justiça, ainda que a modéstia do próprio não se conforme com tal destaque, o empenhamento do geógrafo Dr. Pedro Pereira que, ano após ano, arregimenta meios e vontades por forma a assegurar esta iniciativa de carácter nacional. É notório o empenho na divulgação da terra e cultura caramulanas. De salientar ainda que não se limita a este único evento anual. Ao longo do ano, convida – e convence… - pessoas de várias áreas do saber, com destaque para pessoas que conduzem estudos ou complementos de habilitações superiores.
O geólogo Prof. Doutor João Carlos Baptista, ainda que tenha em mãos um inesperado problema relativo ao apelido, com o novo acordo ortográfico, recebeu a habitual recompensa pela sua aplicação pedagógica, atlética e organizativa, com o mergulho final na costumeira cascata do “Rio da Quinta”, o famoso Poço da Pena Branca, já nas proximidades da Quinta de Menderes. E note-se que uma Serra como o Caramulo oferece imensa matéria mineral para interpretação e… transpiração.
O Engenheiro Florestal João Branco, sempre disponível e eloquente na interpretação da vida animal e vegetal, nunca largou o trabalhoso e completo “kit” fotográfico, com pesada máquina, teleobjectiva e tripé. Não lhe escaparia nada que se parecesse com tritão, borboleta ou tentilhão.
Fica o registo da participação assídua e carismática da enfermeira Ana Sofia Pereira, natural da vila de S. João do Monte, que, ditosamente, ainda não precisou de ultrapassar a barreira do mero apoio moral aos caminheiros.
Finalmente, um agradecimento especial ao Sr. Elísio, antigo moleiro, que apresentou, de uma forma bem esclarecedora, o seu depoimento especial, aos caminheiros, sobre a vida de moleiro que Deus lhe deu durante muitos anos. Falou, a convite do Dr. Pedro, das peças do moinho, das características e cuidados com as mós, das serventias da água do rio para as moagens e de alguns episódios que o marcaram nesta já nostálgica actividade.
Rio e ribeira
O rio Águeda e a ribeira de Dornas ou ribeira do Teixo ou ribeira do Souto (indicações da carta militar nº187) ou rio de Mançores (designação também atribuída a esta linha de água pela população local) são os dois cursos de água mais importantes da freguesia.
Toda a freguesia é rendilhada por um sem número de linhas de água que se encaixam e aconchegam nitidamente em vales de profundidade variável, mas de verde sempre bem equilibrado e suculento. Estes cursos estão associados a uma enérgica fracturação e a uma forte escorrência, facilitada pela precipitação abundante e pelos declives das vertentes.
Foi neste ambiente hidrográfico que se descobriram e exploraram alguns dos deslumbrantes ambientes ripários da freguesia. Deram eles boa nota do fortíssimo carácter natural duma terra que não teme a proximidade das estrelas.
A acta da sessão extraordinária de 6 de Abril de 1887, da Junta de freguesia de S. João do Monte, esclarece contemporâneos e vindouros, nomeadamente os participantes do programa Ciência Viva, na inesquecível jornada de 30 de Julho de 2011, com todo o respeito pelos normativos legais, que no “ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e sete, aos seis dias do mês de Abril, a junta de Paróquia de S. João do Monte concelho de Tondella se reuniu em sessão extraordinária (para o que tinha sido previamente convocada) sob a presidência de Jacinto Henriques Soares, que estava presente, com os vogais António Martins de Almeida, António Fernandes Pereira, Salvador Henriques Monteiro de Carvalho e Manuel Antunes Pereira”. Depois de “aberta a sessão e lida e aprovada a acta antecedente”, ficou a Junta a saber “que a Ex.ma Câmara de Tondella resolvera vender a antiga casa da cadeia, de que nos servíamos para a escolla do sexo masculino e como nesta freguesia não havia casa para outra escola o Presidente e Vice-Presidente da Junta” decidiram solenemente perfilhá-la com esta educativa finalidade.
Pois bem, foi neste precioso santuário de redenção terrena e de amor às primeiras letras, agora sede cultural, bem perto do Paraíso (praia fluvial) que, aí pelas nove manhã, algumas dezenas de caminheiros, muitos de bem perto, outros de bem longe, se conheceram e deram a conhecer, antes de provarem as mimosas oferendas doces e matinais da ACDR de S. João do Monte, sábia e docemente conduzida pelo Sr. Mário. Não fosse irreverência e registar-se-ia aqui, neste improvisado quadro de honra, a memória daquele bolo, bem negro e bem húmido, de açúcares equilibrados, exuberante de frescura, com inesquecível final de boca, boas notas aromáticas a cereja preta e frutos silvestres, assistido de vinho doce…
Enxergou-se bem, in loco, como este incansável dinamizador da cultura local e denodado ex-combatente das matas de Angola, o sr. Mário, que acompanhou minuciosamente todos os passos da jornada, com insuperável maestria.
Organização
Os objectivos e locais visitados, nesta iniciativa do programa Ciência Viva, no Verão 2011, organizado pela Quercus – Núcleo Regional de Vila Real e Viseu, foram seleccionados de acordo e com os apoios da Junta de Freguesia e da Associação Desportiva Cultural e Recreativa (ADCR) de S. João do Monte. É de inteira justiça salientar o apoio da D. Odete, briosa ex-moradora da aldeia de Vale de Lobo que, no frondoso bosque e Parque de Merendas da freguesia, consegue sempre cozinhar a melhor feijoada.
Há que salientar, com inteira justiça, ainda que a modéstia do próprio não se conforme com tal destaque, o empenhamento do geógrafo Dr. Pedro Pereira que, ano após ano, arregimenta meios e vontades por forma a assegurar esta iniciativa de carácter nacional. É notório o empenho na divulgação da terra e cultura caramulanas. De salientar ainda que não se limita a este único evento anual. Ao longo do ano, convida – e convence… - pessoas de várias áreas do saber, com destaque para pessoas que conduzem estudos ou complementos de habilitações superiores.
O geólogo Prof. Doutor João Carlos Baptista, ainda que tenha em mãos um inesperado problema relativo ao apelido, com o novo acordo ortográfico, recebeu a habitual recompensa pela sua aplicação pedagógica, atlética e organizativa, com o mergulho final na costumeira cascata do “Rio da Quinta”, o famoso Poço da Pena Branca, já nas proximidades da Quinta de Menderes. E note-se que uma Serra como o Caramulo oferece imensa matéria mineral para interpretação e… transpiração.
O Engenheiro Florestal João Branco, sempre disponível e eloquente na interpretação da vida animal e vegetal, nunca largou o trabalhoso e completo “kit” fotográfico, com pesada máquina, teleobjectiva e tripé. Não lhe escaparia nada que se parecesse com tritão, borboleta ou tentilhão.
Fica o registo da participação assídua e carismática da enfermeira Ana Sofia Pereira, natural da vila de S. João do Monte, que, ditosamente, ainda não precisou de ultrapassar a barreira do mero apoio moral aos caminheiros.
Finalmente, um agradecimento especial ao Sr. Elísio, antigo moleiro, que apresentou, de uma forma bem esclarecedora, o seu depoimento especial, aos caminheiros, sobre a vida de moleiro que Deus lhe deu durante muitos anos. Falou, a convite do Dr. Pedro, das peças do moinho, das características e cuidados com as mós, das serventias da água do rio para as moagens e de alguns episódios que o marcaram nesta já nostálgica actividade.
Rio e ribeira
O rio Águeda e a ribeira de Dornas ou ribeira do Teixo ou ribeira do Souto (indicações da carta militar nº187) ou rio de Mançores (designação também atribuída a esta linha de água pela população local) são os dois cursos de água mais importantes da freguesia.
Toda a freguesia é rendilhada por um sem número de linhas de água que se encaixam e aconchegam nitidamente em vales de profundidade variável, mas de verde sempre bem equilibrado e suculento. Estes cursos estão associados a uma enérgica fracturação e a uma forte escorrência, facilitada pela precipitação abundante e pelos declives das vertentes.
Foi neste ambiente hidrográfico que se descobriram e exploraram alguns dos deslumbrantes ambientes ripários da freguesia. Deram eles boa nota do fortíssimo carácter natural duma terra que não teme a proximidade das estrelas.
Degrau
António de Brum Ferreira escreve, em 1978, no seu livro “Planaltos e Montanhas do Norte da Beira - Estudo de Geomorfologia” que “a juzante de Varzielas há um degrau bem demarcado, seguindo-se um nível de 600-650 metros de altitude, que atinge um grande desenvolvimento em Arca - S. João do Monte (2 km de largura), tanto no granito do Caramulo como numa mancha xisto-migmatítica”.
Por toda a Serra do Caramulo, há realmente desnivelamentos para todos os gostos. Uma belíssima riqueza que deslumbra todos os numerosos visitantes, ainda que isso tenha de se pagar em pernas e muito suor.
Num dia de calor intenso, como foi o caso, o pensamento dos caminheiros ia frequentemente para a ostentosa Praia Fluvial de S. João do Monte, bem dita do Paraíso, alimentada pelo Rio Águeda. Ainda no imaginário dos andantes calhavam bem as sombras dos salgueiros e amieiros do “jovem” Rio Águeda, partilhadas por alguns lamas, bichos do deserto de Atacama, em cercado junto à igreja paroquial, em cujas imediações a Junta de Freguesia se esmerou na limpeza de muitas veredas. Não precisavam elas, outrora, de outra manutenção que não fosse a da azáfama quotidiana dos muitos moradores que, nas suas deambulações, amanhavam as terras férteis dos vales ou, até, as mais áridas das encostas dos montes.
Tamancos, socas ou botas não davam às ervas o sossego que, agora, lhes traz a desertificação que se vai constatando. E a culpa não é só da falta de pés e respectivos adereços, mas desta venerada civilização que trouxe tão boas estradas, isto é, um luxo, outrora improvável, de percursos alternativos.
Que pena não se cumprirem agora, por aqui e noutras bandas, as palavras de Homero: “A terra negra produz trigo e aveia, as árvores carregam-se de frutos, as ovelhas não se cansam de dar crias”!…
Texto: Nelson Rodrigues Pereira Fotos: João Carlos Baptista . Publicado Jornal de Tondela, Edição nº 1060.
António de Brum Ferreira escreve, em 1978, no seu livro “Planaltos e Montanhas do Norte da Beira - Estudo de Geomorfologia” que “a juzante de Varzielas há um degrau bem demarcado, seguindo-se um nível de 600-650 metros de altitude, que atinge um grande desenvolvimento em Arca - S. João do Monte (2 km de largura), tanto no granito do Caramulo como numa mancha xisto-migmatítica”.
Por toda a Serra do Caramulo, há realmente desnivelamentos para todos os gostos. Uma belíssima riqueza que deslumbra todos os numerosos visitantes, ainda que isso tenha de se pagar em pernas e muito suor.
Num dia de calor intenso, como foi o caso, o pensamento dos caminheiros ia frequentemente para a ostentosa Praia Fluvial de S. João do Monte, bem dita do Paraíso, alimentada pelo Rio Águeda. Ainda no imaginário dos andantes calhavam bem as sombras dos salgueiros e amieiros do “jovem” Rio Águeda, partilhadas por alguns lamas, bichos do deserto de Atacama, em cercado junto à igreja paroquial, em cujas imediações a Junta de Freguesia se esmerou na limpeza de muitas veredas. Não precisavam elas, outrora, de outra manutenção que não fosse a da azáfama quotidiana dos muitos moradores que, nas suas deambulações, amanhavam as terras férteis dos vales ou, até, as mais áridas das encostas dos montes.
Tamancos, socas ou botas não davam às ervas o sossego que, agora, lhes traz a desertificação que se vai constatando. E a culpa não é só da falta de pés e respectivos adereços, mas desta venerada civilização que trouxe tão boas estradas, isto é, um luxo, outrora improvável, de percursos alternativos.
Que pena não se cumprirem agora, por aqui e noutras bandas, as palavras de Homero: “A terra negra produz trigo e aveia, as árvores carregam-se de frutos, as ovelhas não se cansam de dar crias”!…
Texto: Nelson Rodrigues Pereira Fotos: João Carlos Baptista . Publicado Jornal de Tondela, Edição nº 1060.